quarta-feira, 23 de novembro de 2016

"de Pé Olho a Vida" de Alfredo Paiva Nogueira



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Paiva Nogueira fez a sua formação na escola e na vida: desde as primeiras letras e a vivência em meio rural, passando pelo estudo da cultura clássica, da filosofia, da psicologia, pela vida urbana e pelo desempenho como militar e como psicólogo clínico, tudo contribuiu para uma cultura diversificada e uma personalidade profundamente humanista, manifestando inquietações face a problemas como a fome e a guerra, e buscando respostas sobre questões mais transcendentais como o sentido da vida, a morte, o além.

De tudo isto fala a poesia do autor e fala também muito de amor, num estilo próprio, não enquadrável em qualquer corrente literária, mas expressando-se umas vezes em formas clássicas outras em versos brancos, ora cultivando o lirismo ora adoptando claramente o modernismo, seja em versos de gosto popular seja outros de exigência erudita.
 Na primeira parte, constituída por 15 poemas, sob o tema “A Poesia Acontece?”, o autor diz-nos que a poesia é algo de eticamente bom, por vezes com sentido lúdico, que é uma “dimensão do humano existir” e que o poeta é “um viajante em transcendência”. Depois do belo poema “Os Meus Pardais”, referência ambiental do poeta, há vários outros com sentido optimista e alguns de tipo moralista.
 A segunda parte é sobre o Amor, constituída por 18 poemas em que há lirismo, há sedução, há sensualidade… Por vezes pode parecer que não se passa de abstracções, de amor platónico, mas em outros poemas nota-se a filiação em experiências concretas, como é o caso do delicioso “Jantar Dançante” e também de “Arco-Íris”, que termina com uma simbologia gráfica digna de saborosas anedotas. No último poema deste grupo o termo amar tem significado mais lato do que nos restantes, estando mais próximo de solidariedade e altruísmo, como é natural numa alma sensível e humanista.
 No grupo seguinte, sob o título “Feliz o que Pôde Conhecer as Causas das Coisas” (10 poemas) abordam-se temas e colocam-se interrogações sobre o Além. É o espanto sobre a vida e o que está para além dela. Já Aristóteles dizia que o espanto foi o que levou o homem a filosofar, a colocar perguntas. Uns encontram respostas na religião, outros continuam a procurar, outros desistem… Paiva Nogueira não é de desistir: tal como Schopenauer, que era um pessimista mas também era um filósofo da vontade, ele sabe que há um caminho. Termos e expressões como desvendar, buscar, procurar, angústia, “incerteza a vaguear”, “habitar uma ilusão”, “um olhar de além/rasgou o silêncio” são naturais e prenunciam a escolha do misticismo, que tem expressão no poema “Presença Ímpar” através do verso (repetido) “Já Te conheço e não sei quem és!”
Segue-se um conjunto de 9 poemas, integrados no tema “Todas as Coisas Mudam e Nós Mudamos com Elas”, ora incidindo no lado filosófico – por exemplo em “Meu Drama é Ser”, reflexão de tipo existencialista – ora apelando ao divino, mas num enquadramento de claro domínio da vontade: o primeiro poema afirma “De Pé Olho a Vida” e o último aponta o “Caminho”, fazendo lembrar uma conhecida poesia de José Régio que diz “não vou por aí”.
 “A Morte é uma Lei Universal” (10 poemas), é capítulo sobre uma temática em que toda a gente pensa. Não há vida sem morte. O poeta chega a questionar se a vida será um dom, mas ele próprio parece dar resposta em “No Ocaso da Minha Travessia”. Além de vários outros poemas, há uma brincadeira séria em “Os Carnívoros” e também homenagem a seus falecidos pais.
O livro termina com dois “Outros” poemas intitulados “Lição de Filosofia”, e “Missão de Padre”, que constituem lembrança de um passado em que fez parte importante da sua formação.

Sendo embora a leitura de qualquer texto um acto de adesão e participação individual e a sua interpretação de carácter subjectivo, espero que o leitor concorde comigo em algumas das notas que aqui lhe deixei e sobretudo que goste tanto como eu gostei da poesia de Paiva Nogueira.

do prefácio de Manuel R. Baltasar